Augusto Nunes não merece participar do debate público
A agressão de Augusto Nunes ao jornalista Gleen Greenwald é o ponto mais baixo a que chegou o jornalismo depois de um longo processo de degradação.
Trata-se de um caso sem muito espaço para teorização: partir para a violência física é simplesmente errado. Causa tristeza notar que, nem nesse momento, a opinião pública reage em uníssono. Há nas redes um movimento – minoritário, mas barulhento – de gente comemorando a agressão e sugerindo que Glenn "volte para onde veio". A civilização, infelizmente, não é mais um consenso.
É possível ser crítico sem ser agressivo. O jornalismo que ambiciona informar e formar opinião precisa ser, também, sereno. Por razões variadas, que vão do desespero por cliques à militância que tenta se disfarçar de veículo de comunicação, não foi essa a rota preferencial de parte da imprensa.
A opinião invadiu o espaço informativo – quase sempre, sem que isso estivesse claramente demarcado. A expressão se tornou mais e mais virulenta, cheia de adjetivos, palavras de ordem, caricaturas demonizadoras, mentiras.
E agora, uma agressão.
A conta dessa ladeira abaixo já está sendo cobrada: as pessoas já não distinguem o jornalismo sério do polemista de ocasião, o relato plural do panfleto ideológico, a busca pela verdade da mamadeira de piroca.
Culpa-se a audiência mal-informada, mas como responsabilizar o receptor quando quem produz a mensagem classifica um virulento ataque pessoal de comentário "bem-humorado", como fez Nunes? O jornalismo enquanto busca pelo retrato mais preciso da realidade impõe que se reconheça: Nunes acusou Greenwald sem base; exposto, mentiu quanto à natureza de sua fala; confrontado incisivamente, quis calar à força seu acusador.
Estamos numa situação que lembra os contextos de guerra: entre grupos inimigos, a primeira coisa que se rompe é a comunicação. Passam, então, a circular narrativas demonizadoras sobre o lado oposto em cada trincheira. Esse é justamente o ponto mais difícil de se reconstruir quando vem a paz: desarmar os dois lados é possível, mas como desarmar os espíritos?
O jornalismo pode ser um instrumento para o diálogo – e fará um grande serviço à reconstrução social se encarar esse desafio. Há, porém, dois pontos de que não se pode abrir mão: é preciso reconhecer a humanidade do outro; e é preciso lembrar que o debate tem regras. Quem vê a arena pública como um ringue de luta livre, real ou simbólico, e enxerga o adversário como opositor a ser eliminado não merece participar da conversa.
É preciso reagir à truculência e zelar, com muito cuidado, pelo conteúdo e pela forma da discussão. Ou a cada fundo do poço cavaremos um pouco mais em direção à barbárie total.
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