Discurso une WhatsApp bolsonarista, mas críticas nunca foram tão presentes
O pronunciamento de Jair Bolsonaro na noite de ontem (24), segundo reportagem da Folha de S. Paulo, ambicionou "municiar o eleitorado bolsonarista a voltar a sair em defesa do governo". A estratégia se fez sentir no braço mais virulento da máquina de propaganda do presidente, o WhatsApp. Após a fala em cadeia nacional, os grupos foram inundados por postagens menosprezando o impacto epidemiológico do novo coronavírus, contrariando a orientação de órgãos de saúde internacionais e do próprio Ministério da Saúde. Mas críticas e contestações, até então ausente desses ambientes, também se tornaram presentes, evidenciando fissuras no "núcleo duro" de apoio a Bolsonaro.
Os chamados grupos públicos de WhatsApp são uma arma importante na difusão de mensagens de apoio ao presidente. Aproveitando-se da criptografia do aplicativo, que torna impossível a regulação dos conteúdos veiculados, é nesse ambiente que circulam as peças mais radicais da propaganda bolsonarista. De lá, viralizam para grupos fechados – de amigos, de família etc.
Desde 2018 acompanho a atividade dessas comunidades. Atualmente, monitoro 29 delas. Há poucas mensagens autorais. Numa medição de 24 horas que realizei em fevereiro, 76% delas eram encaminhadas ou copiadas. Muita gente está nos grupos, mas pouca gente escreve — na mesma mediação, 50% das mensagens foram enviadas por menos de 2% dos usuários. E a qualidade da informação é baixíssima — na pesquisa, só 9% dos links remetia para a mídia profissional. O restante indicava sites hiperpartidários ou perfis de apoiadores no YouTube.
Da "pane no discurso" à "ordem unida"
O discurso geralmente focado desses grupos havia entrado em pane desde as manifestações do dia 15. A rede sentiu o repúdio público à presença de Bolsonaro nos protestos. A quantidade diária de mensagens diminuiu, e os militantes de WhatsApp, embora evitando críticas ao presidente, dividiram-se entre o negacionismo da epidemia, insultos ao embaixador da China — em apoio aos tuítes ofensivos do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) –, comemoração por supostas "curas" (cloroquina, cujo uso ainda não é seguro, gargarejo com vinagre — inócuo — e mesmo creolina — você leu direito, estamos falando do produto altamente tóxico para seres humanos), além de dicas para o período de quarentena. As peças abaixo são amostras do material que circulou pelos grupos no último fim de semana:
As críticas ao isolamento social compulsório começam a subir de volume ontem, coincidindo com o decreto de quarentena por 15 dias em São Paulo, determinação do governador João Doria (PSDB-SP). Após o discurso de Bolsonaro, a pauta se tornou dominante nas postagens. O número de mensagens também cresceu. No grupo mais ativo, foram 332 entre as 21h de ontem e as 14h de hoje — média de 20 por hora com pico de 40 entre 9h e 10h da manhã.
O tom geral dos posts seguiu duas linhas argumentativas, ambas presentes no discurso de Bolsonaro. A primeira, de que a doença não é tão grave. Uma variação desse argumento reconhece alguma gravidade, mas atribui o coronavírus a uma fabricação da China. O microorganismo é chamado de "vírus chinês" ou de "ameaça comunista":
No território nacional, o inimigo é a "esquerda", conceito bastante largo nos padrões bolsonaristas, como se pode ver na imagem abaixo. Em determinadas postagens, Doria e Witzel são chamados de "governadores socialistas":
A segunda linha argumentativa é de que a economia não pode parar. A ideia da "morte de CNPJs" exemplifica essa estratégia:
Um suposto alinhamento com Trump contra o "coronafarsa" recebe destaque. Outros países supostamente sem quarentena são usados como exemplos que podem ser seguidos. Diversas informações são falsas. Em Israel, há quarentena semelhante à do Estado de São Paulo, informa o "Times of Israel", incluindo multa e prisão para os infratores:
As críticas como novidade
Nos grupos bolsonaristas, postagens contrárias ao presidente são virtualmente inexistentes — integrantes questionadores são rapidamente excluídos pelos administradores. Em meu levantamento de fevereiro, de um conjunto de 1.320 postagens, apenas uma única mensagem trazia crítica. O número de contestações continua baixo, mas já se torna evidente — informação relevante para um ecossistema que, basicamente, faz propaganda do presidente:
Há mensagens de apoio à quarentena, inclusive com uso do humor:
Repercute-se tuítes de antigos aliados…
… lamenta-se a postura da suposta "mídia amiga"…
… e outras medidas desastradas do presidente, como a MP — depois modificada — que propunha suspensão de contratos de trabalho por quatro meses:
Persistem, ainda, postagens genéricas, de apoio incondicional a Bolsonaro. São bem menos numerosas do que semanas atrás. As mais emocionais recorrem ao ideário religioso para para reforçar a mensagem:
Enquanto isso, a sociedade civil procura formas de se ajudar. Ecoa montou uma lista de grupos que estão recebendo doações para populações em situação de vulnerabilidade. O material é atualizado diariamente e conta também com apoio dos leitores, que enviam dicas de novas campanhas.
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